Uma “menina” de 18 anos esperando seu primeiro filho, um parto, uma história, uma lembrança...
Quando cheguei na maternidade ela já estava com 8cm de
dilatação. A cardiotocografia sinalizava que estava tudo bem com os batimentos
do bebê, o trabalho de parto estava avançado e evoluindo muito bem; Daniela (pseudônimo) estava com calafrios, o
que é natural por causa das contrações, mas se mantinha tranquila, pedindo
muita água e tentando “ouvir” o seu corpo, estava totalmente receptiva à ajuda
das doulas daquele plantão, focada na respiração. Ofereci uma coberta, ela aceitou e ficou mais confortável nesse momento.
Começaram então os “toques”, um atrás do outro e por enfermeiras diferentes , o pedido
era sempre o mesmo : força, mais força,
segura o joelho, queixo no peito, vamos.... força, ta fazendo a força errada!
Depois de consecutivos exames de toque e com 9cm de dilatação decidiram
conduzir Daniela ao “cavalinho” – um aparelho que auxilia no trabalho de parto,
trata-se de um assento ativo pois mantém a gestante em movimento mesmo sentada, como este que podemos ver aqui:
* Os exames de toque são realizados para medir a dilatação do
colo do útero. Cada mulher tem o seu tempo de dilatação, não resolve tocar a
cada meio minuto para observar a dilatação, o que realmente ajuda é respeitar o
tempo de cada mulher, o processo natural do seu corpo, ajudar essa gestante
manter a calma tranquilizando-a e apoiando-a com informações sobre o seu bebê e
sobre o parto.
Enfim, Daniela conseguiu chegar aos dez dedos de dilatação e foi levada até a sala de parto.
Deitada em uma “cama” com as pernas para cima e ao seu redor uma equipe de 7 pessoas, todas falando
a mesma coisa: força, mão no joelho, queixo no peito... vamos, vamos, mais
força, a força ta errada, ahhh agora sim
força certa... boa garota!
Após dez minutos na sala de parto uma enfermeira
resolve “ajudar” e sobe na escadinha para ter apoio e ai empurra a barriga de
Daniela para baixo para “auxiliar” no momento expulsivo , ela pede licença claro e informa: quem vai
fazer a força é você, eu vou apenas
ajudar o bebê para não subir novamente, tudo bem?! Daniela responde: anham.
* O nome que se dá a esse procedimento é manobra de
Kristeller, que é exatamente isto, empurrar a barriga para baixo com as duas
mãos ou com o antebraço. O objetivo é acelerar a descida do bebê, porém de
acordo com a Organização Mundial da Saúde é prejudicial pois pode causar
fraturas ósseas, lacerações graves, bebês machucados e etc.
Bom, ainda bem que o períneo de Daniela é excelente e tem uma elasticidade incrível
(como disseram as próprias enfermeiras)! Ops, acho que não é bem assim, ouço
uma enfermeira solicitar: “epsio” por favor, vamos ter que "ajudar"!
* A epsiotomia ou epsio é uma incisão realizada no
períneo (área muscular entre a vagina e
o ânus). Também realizada nesse período expulsivo para acelerar o
nascimento. Não há evidências que
realmente validem essa prática, uma vez que lacerações naturais podem ocorrer e
o corte no períneo não pode ser considerado uma indicação para “solucionar”
essa questão.
Ouvimos o choro do bebê e graças a Deus ele foi levado
primeiro para os braços da mãe que respirava aliviada e com um sorriso tímido
no rosto.
Em todo o tempo os batimentos do bebê estavam bem. Daniela evoluía muito bem, era seu primeiro
filho, seu primeiro parto.
Será que era necessário tudo isso? Será que se Daniela
estivesse em uma posição confortável pra ela e fosse lhe permitido ter a
liberdade de sentir e ouvir o seu corpo ela precisaria de tantas “ajudas” como
essas que foram oferecidas à ela? Qual
será a lembrança no coração dela? Porque será que tantas mulheres tem pânico do
parto normal? Seria porque nem todo parto normal é natural?
Talvez Daniela não saiba, mas ela sofreu violência
obstétrica. A maior “arma” que temos nas mãos contra esse tipo de violência é a
informação, se empoderar, questionar e dizer NÃO!
A humanização começa de dentro para fora. Espero que esse relato inspire vocês na luta pela humanização no Brasil, e ajude você gestante em suas escolhas.