terça-feira, 23 de setembro de 2014

Vi, ouvi e escrevi.

Uma “menina” de 18 anos esperando seu primeiro filho, um parto, uma história, uma lembrança...

Quando cheguei na maternidade ela já estava com 8cm de dilatação. A cardiotocografia sinalizava que estava tudo bem com os batimentos do bebê,  o trabalho de parto estava avançado e evoluindo  muito bem;  Daniela (pseudônimo) estava com calafrios, o que é natural por causa das contrações, mas se mantinha tranquila, pedindo muita água e tentando “ouvir” o seu corpo, estava totalmente receptiva à ajuda das doulas daquele plantão, focada na respiração.  Ofereci uma coberta, ela aceitou e ficou mais confortável nesse momento.

Começaram  então os “toques”, um atrás do outro e  por enfermeiras diferentes , o pedido era  sempre o mesmo : força, mais força, segura o joelho, queixo no peito, vamos.... força, ta fazendo a força errada! Depois de consecutivos exames de toque e com 9cm de dilatação decidiram conduzir Daniela ao “cavalinho” – um aparelho que auxilia no trabalho de parto, trata-se de um assento ativo pois mantém a gestante em movimento mesmo sentada, como este que podemos ver aqui:




Passaram-se cerca de 20 minutos e as enfermeiras estavam de volta para avaliar a evolução. Perdi as contas de quantos exames de toque foram realizados ali naquela sala. Isso foi irritando Daniela, ela já não encontrava posição, dizia que estava doendo, fechava a perna , passava a mão no cabelo, pedia pra parar, mas infelizmente ela não foi ouvida.  Uma das enfermeiras errava várias vezes o nome do bebê que Daniela estava esperando, como se isso fosse uma piada de descontração , mas não funcionava pra essa mãe que estava ali cansada, com sono  e visivelmente irritada. Havia porém uma coisa “muito boa” nisso tudo -  o períneo dela era ótimo, tinha uma elasticidade incrível -  isso era o que as enfermeiras diziam a cada toque realizado.


* Os exames de toque são realizados para medir a dilatação do colo do útero. Cada mulher tem o seu tempo de dilatação, não resolve tocar a cada meio minuto para observar a dilatação, o que realmente ajuda é respeitar o tempo de cada mulher, o processo natural do seu corpo, ajudar essa gestante manter a calma tranquilizando-a e apoiando-a com informações sobre o seu bebê e sobre o parto.

Enfim, Daniela conseguiu chegar aos dez dedos de dilatação e foi levada  até a sala de parto.
Deitada em uma “cama” com as pernas para cima e ao seu  redor uma equipe de 7 pessoas, todas falando a mesma coisa: força, mão no joelho, queixo no peito... vamos, vamos, mais força, a força ta errada,  ahhh agora sim força certa... boa garota!

Após dez minutos na sala de parto uma enfermeira resolve “ajudar” e sobe na escadinha para ter apoio e ai empurra a barriga de Daniela para baixo para “auxiliar” no momento expulsivo ,  ela pede licença claro e informa: quem vai fazer a força é você, eu  vou apenas ajudar o bebê para não subir novamente, tudo bem?!  Daniela responde:  anham.

* O nome que se dá a esse procedimento é manobra de Kristeller, que é exatamente isto, empurrar a barriga para baixo com as duas mãos ou com o antebraço. O objetivo é acelerar a descida do bebê, porém de acordo com a Organização Mundial da Saúde é prejudicial pois pode causar fraturas ósseas, lacerações graves, bebês machucados  e etc.

Bom, ainda bem que o períneo de Daniela é  excelente e tem uma elasticidade incrível (como disseram as próprias enfermeiras)! Ops, acho que não é bem assim, ouço uma enfermeira solicitar: “epsio” por favor, vamos ter que "ajudar"!

* A epsiotomia ou epsio é uma incisão realizada no períneo  (área muscular entre a vagina e o ânus). Também realizada nesse período expulsivo para acelerar o nascimento. Não há evidências que realmente validem essa prática, uma vez que lacerações naturais podem ocorrer e o corte no períneo não pode ser considerado uma indicação para “solucionar” essa questão. 



Ouvimos o choro do bebê e graças a Deus ele foi levado primeiro para os braços da mãe que respirava aliviada e com um sorriso tímido no rosto.

Em todo o tempo os batimentos do bebê estavam bem.  Daniela evoluía muito bem, era seu primeiro filho, seu primeiro parto. 

Será que era necessário tudo isso? Será que se Daniela estivesse em uma posição confortável pra ela e fosse lhe permitido ter a liberdade de sentir e ouvir o seu corpo ela precisaria de tantas “ajudas” como essas que foram oferecidas à ela? Qual será a lembrança no coração dela? Porque será que tantas mulheres tem pânico do parto normal? Seria porque nem todo parto normal é natural?

Talvez Daniela não saiba, mas ela sofreu violência obstétrica. A maior “arma” que temos nas mãos contra esse tipo de violência é a informação, se empoderar, questionar e dizer NÃO!

A humanização começa de dentro para fora. Espero que esse relato inspire vocês na luta pela humanização no Brasil, e ajude você gestante em suas escolhas.






domingo, 14 de setembro de 2014

Gravidez e alergia: Combinação perfeita para um parto humanizado.

Olá meninas, esse relato é da Márcia Benália, uma grande amiga que ganhei na maternidade onde atuamos juntas como doula. 

Meu nome é Marcia Benalia e sou mãe de duas crianças. Na verdade, um já é adolescente, lindo com seus 15 anos de idade e a outra é uma bebê fofa, de 2 anos.
Além de doula, sou consultora de amamentação, instrutora de shantala e aromaterapia. Sou formada em Comunicação e atualmente, curso uma pós-graduação de Psicologia e Maternidade. Junto com duas amigas que, assim como eu, passaram a ter uma vida com mais propósito, formamos uma empresa que presta serviços e consultoria para gestantes e mães, a Maternity Coach.

Doulando voluntariamente em uma maternidade filantrópica, sempre acompanhei partos normais, mas nunca havia presenciado um parto humanizado por lá.  Até que, em uma bela noite de lua cheia, doulei uma mulher chamada Adriana. Ela desceu da ambulância, vindo de transferência de uma maternidade pública, já avisando: Sou alérgica a todo e qualquer medicamento! Sem saber, ela estava mudando toda a história do parto dela e vou contar o porquê!

Logo que as gestantes chegam à maternidade onde atuo como voluntária, não importa se sentindo as contrações iniciais ou já parindo, elas acabam recebendo ocitocina na veia para “ajudar” na evolução do trabalho de parto.

O nosso organismo produz naturalmente a ocitocina. Ela é responsável por gerar as contrações do útero durante o trabalho de parto e  liberar o leite durante a amamentação. Sob seu efeito, durante as contrações, sentimos dor, mas nada insuportável. Diz a lenda que as dores existem justamente para avisar as mulheres que seu bebê está chegando e que devem procurar um local tranquilo para parir. Este sinal era de extrema utilidade na época das Cavernas, já que as mulheres, sem as informações que dispomos atualmente, utilizavam as dores como um aviso, que significava: hora de procurar um abrigo seguro para parir e ficar com seu bebê! Assim como acontece com todos os mamíferos.

Existe, ainda a versão sintética da ocitocina, produzida em laboratório, que é na verdade  uma medicação muito útil e que pode ajudar a salvar vidas se corretamente indicado, como quando usado para contrair o útero após um parto ou aborto, em virtude de sangramento abundante, prevenindo hemorragias que poderiam levar a perda do útero e até a morte. O problema é seu uso indiscriminado nas maternidades… Como este hormônio também pode ser usado para iniciar o trabalho de parto quando ele não ocorre naturalmente (lembrando que se ele não ocorreu naturalmente, era porque ainda não estava na hora…) podendo regularizar as contrações quando elas não estiverem efetivas e for diagnosticado que o trabalho de parto não está evoluindo de maneira adequada, ele acaba sendo utilizado de forma corriqueira. Mas, como todo medicamento, há efeitos colaterais e pessoas alérgicas à sua composição não devem recebê-lo. Era o caso da Adriana!

Graças à sua alergia, ninguém pode “ajudar” a Adriana em seu trabalho de parto, colocando o “sorinho” em suas veias. Ela teve que contar apenas com seu corpo para o nascimento de seu bebê. Andando pelo corredor, usando a bola, recebendo massagens e  tomando um bom e longo banho de chuveiro, ela foi sentindo as contrações, cada vez mais fortes, porém compatíveis com o que seu corpo poderia aguentar. Quando sentiu que era hora de seu bebê vir para seus braços, avisou a equipe médica, foi caminhando até a sala de parto e ali, tranquilamente, muito focada no que estava fazendo, pariu lindamente. Tão lindamente que até a enfermeira que estava auxiliando no parto e que até aquela hora não havia demonstrado nenhum tipo de envolvimento com a parturiente, se emocionou. Não me contive e disse que aquele era o parto mais lindo que eu havia acompanhado, ali, naquela maternidade. Depois, pensando por qual motivo aquele parto tinha sido especial, cheguei a uma única conclusão: ausência de ocitocina sintética!!!

Com ocitocina na veia, as contrações são muito mais doloridas e por conta disto, muitas mulheres acabam se concentrando mais na dor do que no parto em si. Ela acaba tirando o direito da mulher de ser a protagonista do nascimento dos filhos, sentindo e conduzindo o parto em todas as suas etapas.

Alergia a medicamentos pode ser um fator complicador na gestação? No caso da Adriana, não! Graças a alergia ela foi poupada de todo e qualquer procedimento médico, tendo direito ao que era seu por direito: o parto do seu filho.


Marcia Benalia é comunicóloga, cursando pós-graduação em psicologia e maternidade, doula, consultora de amamentação e instrutora de shantala certificada pelo GAMA(Grupo de Apoio a Maternidade Ativa), consultora em aromaterapia para gestantes certificada pela Aromaflora, sócia da Maternity Coach(www.maternitycoach.com.br), mãe de dois filhos e estudiosa dos benefícios que a natureza nos promove.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Uma história de amor e superação!

Olá queridas, quero começar com uma história bem peculiar pra mim vivida em uma dessas quintas-feiras na maternidade onde atuo como  doula voluntária.

Logo quando cheguei passando pelos quartos havia uma moça aos prantos e sua mãe que era a acompanhante  também com os olhos cheios de lágrimas. Um silêncio se instalava naquele quarto. Uma outra doula que faz o mesmo horário já havia tentado conversar com elas e ajudar mas não houve muita abertura para isso. Eu sabia que algo realmente grave estava acontecendo, apenas me apresentei e fiquei ali por alguns segundos, ofereci água, elas aceitaram e ai encontrei uma brecha para oferecer meu apoio mesmo sem saber absolutamente nada do que de fato estava acontecendo.

Nos próximos minutos fiquei ali ao lado delas, fechei um pouco as janelas porque fazia muito frio nessa noite, falei com a acompanhante Dona Elza (pseudônimo) sobre a janta que é oferecida e insisti pra ela dar uma volta e  respirar um pouco,  comer alguma coisa que eu ficaria ali com a futura mamãe! Quando Dona Elza saiu e  ficamos apenas nós, eu e a Carol, (pseudônimo) ela de fato desmoronou, começou a chorar muito, eu peguei a sua mão e ofereci à ela os meus ouvidos se ela quisesse me contar sobre o que estava acontecendo. Ela respirou fundo e disse: eu estou doente, acabaram de sair os resultados dos exames,  HIV positivo. Por algum motivo inexplicável ela confiou em mim e abriu a sua história, a sua vida, o seu passado... Naquele momento o meu chão caiu, meu coração se partiu junto com o coração dela e eu apenas me aproximei e ofereci o meu amor e carinho, puxei a cadeira ao lado, me sentei e fiquei ali segurando a sua mão por longos minutos.Um momento que era pra ser de pura alegria, satisfação e paz, na vida da Carol não foi exatamente assim, ele se misturou com tristeza, dor e muitas perguntas sem respostas.

 Aos poucos o silêncio foi se rompendo e ela foi abrindo o coração. Me coloquei no lugar dela e então pensei  no que eu gostaria de ouvir e de sentir se eu estivesse nessa situação, foi ai que eu respirei e disse pra ela: Carol, você vai conseguir passar por isso! Você não está sozinha, Deus te deu um presente para você amar e cuidar, essa princesa (ela estava esperando uma menina) vai te dar forças para que tudo isso seja superado, eu tenho certeza! Acredite! Essa notícia pode fazer de você uma pessoa amarga e triste ou um ser humano mais doce, que da mais valor aos pequenos detalhes da vida, que ama mais, respeita mais e perdoa mais! Contei à ela também sobre a história de um grande amigo meu que descobriu o vírus muito jovem e como ele aprendeu a lidar com isso e a superar.
Com o passar das horas ela foi ficando mais calma e confiante.

Carol não entrou em trabalho de parto porque a cesárea já estava agendada para a manhã seguinte. Eu não consegui oferecer à ela massagens para aliviar a dor lombar, mas ofereci um amor, um carinho e meu ombro amigo para de alguma forma tentar ajudá-la a juntar os cacos do seu coração. Fiquei ali quase o tempo todo, não doulei nenhuma outra parturiente nesta noite. Muito mais foi dito à ela e à Dona Elza durante as próximas horas, incentivando e acreditando junto com elas na força da vida.

Eu permaneci em contato com ela através de mensagens pelo celular nas próximas semanas e ontem fui até a casa dela com meu esposo para dar um abraço apertado, levar uma cesta básica e conhecer a flor mais linda do jardim da vida de Carol, a Manu (pseudônimo). Quanto amor e doçura eu encontrei, Carol estava linda, ela tem um sorriso lindo que eu não conheci naquela quinta-feira, e a Manu é simplesmente encantadora, uma criança que ainda não conhece a sua história mas que já carrega consigo uma paz que excede a qualquer entendimento. Ela dormiu no meu colo e eu confesso que fiquei com vontade de ter um bebê!
Quando sai dali e entrei no carro para ir embora o meu sentimento era de missão cumprida, não porque nosso contato terminaria ali, mas porque eu consegui passar pela vida da Carol, deixar um pouco de mim e encher a minha "mochila" de esperança, paz e com uma certeza de que a vida sempre vale a pena e mais do que isso, a vida é mais doce quando repartida.

*PS: A cesárea foi indicada neste caso porque essa é melhor opção para evitar a transmissão do vírus para o bebê. Pesquisadores do International HIV Group analisaram diversos estudos e concluiram que as chances de transmissão caem para 50% se feita a cesariana programada.

Espero que essa história inspire vocês e encha o coração de cada leitora com esperança e amor em tempos difíceis!
Com carinho,
Sil.






quinta-feira, 4 de setembro de 2014