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sábado, 29 de novembro de 2014

Sensibilidade do profissional e intervenções em recém nascidos.

Olá bonitos e bonitas (como diz minha amiga Dani... rsrsrs)
Hoje vim falar um pouco da importância da sensibilidade dos profissionais que dão assistência à mulher nesse momento incrível da sua vida: o parto!



O parto é da mulher! O profissional viabiliza o nascimento tanto do bebê como da nova mãe que vai nascer ali no momento do parto com informações, conhecimento e sensibilidade neh minha gente?! Pois bem,  teria que ser assim mas infelizmente nem tudo que deveria ser é.

Assisti apenas o momento expulsivo do parto de Giovana (pseudônimo) na última segunda-feira quando estive na maternida mas já foi mais do que suficiente para escrever aqui o meu olhar e o meu relato... 

Um médico (muito provavelmente residente) fazia esse atendimento. Primeira filha da gestante, tinha como acompanhante o parceiro que também era um pai de "primeira viagem", ou seja os pais, ambos estavam apreensivos, nervosos, sem saber muito o que fazer e como agir e reagir diante da dor, da ansiedade, da insegurança e etc...

Começam os puxos dirigidos, a falação sem fim: força Giovana, FORÇA... não pode fechar a perna de jeito nenhum porque se não seu bebê pode nascer com algum problema - diz o médico que também desmontrava muita apreensão.

O acompanhante da gestante na tentativa de "ajudar" também começa a "repreender" a futura mamãe com frases como : Giovana, você precisa fazer a força corretamente, você não ouviu o médico? Vamos!!!!!!
Giovana diz: está doendo MUITO e da um suspiro, o acompanhante logo responde: ué, mas é pra doer mesmo! (Confesso que neste momento minha vontade era dizer: meu "querido" xiu, fica quietinho por gentileza!)
E assim seguia o parto, o médico aumenta a voz: Giovana esse momento não pode demorar, é o momento mais importante do parto, você precisa nos ajudar fazendo a força correta para o seu bebê descer e não feche a perna, pois isso pode sufocar o seu bebê! O tom de voz não era nada doce ou amigável, muito menos paciente, pelo contrário, era autoritário e um tanto quanto indelicado, se é que vocês me entendem!

* O momento expulsivo pode durar alguns minutos ou horas, tudo depende do corpo de cada mulher e do nascimento de cada bebê! Os batimentos do bebê devem ser monitorados e esse é o parâmetro para uma intervenção mais firme quando necessária.

* Existem duas abordagens com relação a força que a mulher precisa fazer no trabalho de parto.
A primeira e é a mais comum em hospitais no Brasil é justamente essa relatada aqui: os "puxos precoces" onde uma pessoa instrui a gestante na hora de fazer a força quando o colo do útero ja estiver totalmente dilatado, ainda que essa gestante  não sinta a vontade de fazer a força!
A segunda alternativa é aguardar o momento do corpo da mulher onde ela mesma vai sentir incontrolavelmente essa vontade de fazer a força, é como se o próprio corpo dela pedisse isso! Para isso ela precisa estar conectada, "ouvindo" o seu corpo e o profissional precisa esperar este momento.

Giovana estava na sala de parto há cerca de 10 minutos, uma pediatra muito querida chegou na sala, tentou acalmá-la com uma abordagem mais delicada, porém a pediatra não tem autonomia para dirigir o parto, logo, então ela se retira e da o espaço para o médico seguir conduzindo. Seguiam-se os puxos dirigidos e então entra uma outra médica para dar uma "mãozinha" na descida do bebê com a manobra Kristeller, porém não foi suficiente e mais uma vez a epsio foi uma opção escolhida por essa equipe na vida de mais uma mulher!

*Já falei um pouco sobre a epsiotomia e manobra de Kristeller aqui no blog, se você quiser saber mais basta fazer uma busca.

Carolina (pseudônimo) nasceu bem, demorou um pouquinho para chorar e recebeu  os procedimentos de nitrato de prata e aspiração das vias aéreas. Chorou muito e ficou bem agitada com essas intervenções.

*Nitrato de prata é um colírio que causa irritação ao bebê por arder muito e doer, esse colírio serve para tratar uma possível infecção que é causada pela bactéria chamada gonococo, que se caso não for tratada pode causar a cegueira. A real indicação desse colírio é para mães que são portadoras de gonorreia e em caso de bebês que nascem pela via vaginal. Esse procedimento é comum nas maternidades do Brasil tanto para mães que fizeram o exame e não são portadoras da doença como em bebês que nascem de cesarianas.

*Aspiração das vias aéreas é uma espécie de sonda que é colocada no nariz e passa também pela via oral do bebê a fim de limpar as vias aéreas, porém os bebês são capazes de tossir  e espirrar sozinhos e dessa forma limpar as vias aéreas, sem contar que quando passam pelo canal vaginal os pulmões são massageados provocando a expulsão natural dos liquidos. Esse procedimento além de ser muito desconfortável pode causar doenças respiratórias e cardíacas nos rescém nascidos.


Vamos refletir juntas, será que esse modelo de atendimento à gestante e ao bebê que acaba de chegar ao mundo faz juz a um momento único e tão especial na vida de cada mulher e de cada família brasileira? Um momento de extrema sensibilidade, amor, incertezas, dúvidas, medos, inseguranças e alegria não precisaria de um pouco mais de empatia, solidariedade e sensibilidade?
É de extrema importância retreinar os profissionais do parto no Brasil! Uma reciclagem não seria nada mal. Não acredito que eles deveriam estar ali  para ser "comandantes" do nascimento, mas sim para dar total apoio à essa nova família que nasçe, que renasçe. Apoio que vai desde todo o conhecimento para realização do parto até um aperto de mão, um sorriso ou uma lágrima de emoção. A doula é de extrema importância em relação a esse suporte emocional e uma peça fundamental na equipe, mas uma andorinha só não faz verão não é mesmo? Nós estávamos lá com Giovana, eu e minha amiga doula Márcia Benália, nosso olhar era de ternura, nossas frases de apoio e incentivo. Nosso coração? Partido... por ver tamanha frieza e indelicadeza.

O que mais me chamou atenção nesse parto que presenciei não foram as intervenções desnecessárias, mas o "automático" do "dotô", como se tudo fosse muito simples e fácil para aquela mãe, em cada frase dita, no tom de voz, nas escolhas, uma coisa ficou muito clara pra mim : a SENSIBILIDADE é uma palavra um tanto quanto desconhecida para este jovem médico que prestou um atendimento rotineiro e  apático para uma nova família nascida na metrópole chamada São Paulo que precisa urgente de MAIS AMOR.


terça-feira, 23 de setembro de 2014

Vi, ouvi e escrevi.

Uma “menina” de 18 anos esperando seu primeiro filho, um parto, uma história, uma lembrança...

Quando cheguei na maternidade ela já estava com 8cm de dilatação. A cardiotocografia sinalizava que estava tudo bem com os batimentos do bebê,  o trabalho de parto estava avançado e evoluindo  muito bem;  Daniela (pseudônimo) estava com calafrios, o que é natural por causa das contrações, mas se mantinha tranquila, pedindo muita água e tentando “ouvir” o seu corpo, estava totalmente receptiva à ajuda das doulas daquele plantão, focada na respiração.  Ofereci uma coberta, ela aceitou e ficou mais confortável nesse momento.

Começaram  então os “toques”, um atrás do outro e  por enfermeiras diferentes , o pedido era  sempre o mesmo : força, mais força, segura o joelho, queixo no peito, vamos.... força, ta fazendo a força errada! Depois de consecutivos exames de toque e com 9cm de dilatação decidiram conduzir Daniela ao “cavalinho” – um aparelho que auxilia no trabalho de parto, trata-se de um assento ativo pois mantém a gestante em movimento mesmo sentada, como este que podemos ver aqui:




Passaram-se cerca de 20 minutos e as enfermeiras estavam de volta para avaliar a evolução. Perdi as contas de quantos exames de toque foram realizados ali naquela sala. Isso foi irritando Daniela, ela já não encontrava posição, dizia que estava doendo, fechava a perna , passava a mão no cabelo, pedia pra parar, mas infelizmente ela não foi ouvida.  Uma das enfermeiras errava várias vezes o nome do bebê que Daniela estava esperando, como se isso fosse uma piada de descontração , mas não funcionava pra essa mãe que estava ali cansada, com sono  e visivelmente irritada. Havia porém uma coisa “muito boa” nisso tudo -  o períneo dela era ótimo, tinha uma elasticidade incrível -  isso era o que as enfermeiras diziam a cada toque realizado.


* Os exames de toque são realizados para medir a dilatação do colo do útero. Cada mulher tem o seu tempo de dilatação, não resolve tocar a cada meio minuto para observar a dilatação, o que realmente ajuda é respeitar o tempo de cada mulher, o processo natural do seu corpo, ajudar essa gestante manter a calma tranquilizando-a e apoiando-a com informações sobre o seu bebê e sobre o parto.

Enfim, Daniela conseguiu chegar aos dez dedos de dilatação e foi levada  até a sala de parto.
Deitada em uma “cama” com as pernas para cima e ao seu  redor uma equipe de 7 pessoas, todas falando a mesma coisa: força, mão no joelho, queixo no peito... vamos, vamos, mais força, a força ta errada,  ahhh agora sim força certa... boa garota!

Após dez minutos na sala de parto uma enfermeira resolve “ajudar” e sobe na escadinha para ter apoio e ai empurra a barriga de Daniela para baixo para “auxiliar” no momento expulsivo ,  ela pede licença claro e informa: quem vai fazer a força é você, eu  vou apenas ajudar o bebê para não subir novamente, tudo bem?!  Daniela responde:  anham.

* O nome que se dá a esse procedimento é manobra de Kristeller, que é exatamente isto, empurrar a barriga para baixo com as duas mãos ou com o antebraço. O objetivo é acelerar a descida do bebê, porém de acordo com a Organização Mundial da Saúde é prejudicial pois pode causar fraturas ósseas, lacerações graves, bebês machucados  e etc.

Bom, ainda bem que o períneo de Daniela é  excelente e tem uma elasticidade incrível (como disseram as próprias enfermeiras)! Ops, acho que não é bem assim, ouço uma enfermeira solicitar: “epsio” por favor, vamos ter que "ajudar"!

* A epsiotomia ou epsio é uma incisão realizada no períneo  (área muscular entre a vagina e o ânus). Também realizada nesse período expulsivo para acelerar o nascimento. Não há evidências que realmente validem essa prática, uma vez que lacerações naturais podem ocorrer e o corte no períneo não pode ser considerado uma indicação para “solucionar” essa questão. 



Ouvimos o choro do bebê e graças a Deus ele foi levado primeiro para os braços da mãe que respirava aliviada e com um sorriso tímido no rosto.

Em todo o tempo os batimentos do bebê estavam bem.  Daniela evoluía muito bem, era seu primeiro filho, seu primeiro parto. 

Será que era necessário tudo isso? Será que se Daniela estivesse em uma posição confortável pra ela e fosse lhe permitido ter a liberdade de sentir e ouvir o seu corpo ela precisaria de tantas “ajudas” como essas que foram oferecidas à ela? Qual será a lembrança no coração dela? Porque será que tantas mulheres tem pânico do parto normal? Seria porque nem todo parto normal é natural?

Talvez Daniela não saiba, mas ela sofreu violência obstétrica. A maior “arma” que temos nas mãos contra esse tipo de violência é a informação, se empoderar, questionar e dizer NÃO!

A humanização começa de dentro para fora. Espero que esse relato inspire vocês na luta pela humanização no Brasil, e ajude você gestante em suas escolhas.